Adriana Rabelo
A Comissão Episcopal Especial de enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), está realizando visitas e encontros na diocese de Roraima e nas fronteiras com a Guiana e Venezuela, para acompanhar e discutir a situação dos migrantes e refugiados que chegam ao Brasil. Representantes de diferentes regiões do país compõem o grupo. O SEFRAS - Ação Social Franciscana também está na comitiva com Frei Marx Rodrigues dos Reis, Laís Andrade Furtado Leite e Thamara Marques Thomé, todos de São Paulo.
O bispo franciscano de Romaria, Dom Evaristo Pascoal Spengler, está na equipe em missão para o enfrentamento ao tráfico humano. Além dele, também estão Dom Adilson Pedro Busin, bispo de Tubarão (SC) e Dom Plínio José Luz da Silva, bispo de Picos (PI).
De acordo com Frei Marx, vivemos uma conjuntura internacional que impede a vida plena dos povos. Além das questões políticas e econômicas que envolvem guerras, perseguições e geram sérios problemas humanitários. “Temos ainda um outro caminho que é muito forte agora, devido às ocorrências da nossa ação no mundo. Aqui está o caso o desequilíbrio do nosso planeta. Então existem as migrações oriundas dos problemas climáticos, sejam eles por enchentes, sejam eles por catástrofes como tufões ou então carestia”.
Na Semana do Migrante, o frade fala sobre a importância das discussões em torno de situações delicadas relacionadas ao drama da barreira linguística, da xenofobia, do racismo e do preconceito, além do trabalho escravo, do tráfico humano, da prostituição, entre tantas outras condições que o migrante e refugiado são submetidos. ” O Papa Francisco nos propõe um olhar mais cristão para que entendamos que todos nós fazemos parte da mesma casa”, salienta.
Entenda melhor o trabalho da Comissão Episcopal Especial de enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e a importância da presença da comitiva, em Roraima, pelo texto publicado no site Vatican News.
Comissão da CNBB contra o Tráfico de Pessoas: conhecer o outro lado da fronteira
Muitas pessoas, movidas pelo preconceito, condenam os migrantes. Conhecer a realidade de onde eles vêm, nos ajuda a entender os motivos que levam essas pessoas a deixar tudo para trás e se aventurar numa nova vida, desconhecida que nem sempre fácil. Daí a importância da missão que a Comissão Episcopal Especial de enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), está realizando de 17 a 23 de junho na diocese de Roraima, com visitas em Bonfim e Lethem, o principal passo fronteiriço entre a Guiana e o Brasil, e em Pacaraima e Santa Elena de Uairén, passo fronteiriço entre a Venezuela e o Brasil. A Igreja do Vicariato do Caronì
Santa Elena de Uairén é sede do Vicariato Apostólico do Caroní, uma Igreja com rosto indígena, que desde 1922 acompanha a vida do povo pemón, habitantes da Grande Sabana, numa tentativa de ser uma Igreja inculturada. Um território de 80 mil quilómetros, com grandes dificuldades de deslocamento, algo que desafia a ação missionária.
Uma Igreja que quer caminhar junto com a diocese de Roraima, com objetivos comuns, numa Igreja sem fronteiras. Aos poucos isso vai se concretizando no trabalho da Caritas, nas experiências de formação e trabalho pastoral comum. Um caminhar junto que é motivo de gratidão para o bispo do Vicariato do Caroní, dom Gonzalo Ontiveros, que insiste na solidariedade da Igreja brasileira com o povo venezuelano. Uma visita que o bispo vê como experiência de escuta sinodal, que deve ajudar para avançar em caminhos comuns.
Motivações, dificuldades, pedido dos migrantes
Segundo uma pesquisa da Caritas do Vicariato do Caroní, desde 2022 o ingresso de venezuelanos no Brasil, o 5º país onde chega mais venezuelanos, tem aumentado. 23% eram migrantes de volta a Venezuela, 22% gente que vai e volta, e 55% por cento migrantes sem intenção de voltar. 74% por centos dos migrantes são mulheres. Entre as motivações está a reunificação familiar, a falta de emprego e os salários muito baixos na Venezuela, falta de serviços médicos e medicamentos. Entre as dificuldades no caminho, os migrantes sofrem com a falta de água potável, falta de lugares para banho e hospedagem, falta de dinheiro, falta de documentação para ingressar em outro país. Eles pedem alimentos, muitos não sabiam se iriam comer no outro dia, dinheiro para o dia a dia, serviço de saúde. Como alternativas para resolver as dificuldades, é pedido pelas pessoas em trânsito, mais pontos de informação sobre os requisitos para sair do país, pontos de acompanhamento socioemocional, espaços de higiene adequados e para adquirir água potável. Poucas pessoas relatam situações de tráfico de pessoas, mas também é certo que nem sempre se tem a possibilidade de uma conversa mais pausada. Mesmo assim, são relatadas situações que sofrem os migrantes, especialmente cubanos, vítimas das máfias. Uma realidade que também atinge às comunidades indígenas, segundo relatam as lideranças indígenas locais, que destacam a falta de saúde como a causa principal de migração dos indígenas.
O trabalho da Comissão de enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da CNBB
Diante dessa realidade, foram lembradas as palavras do Papa Francisco: “se nós queremos cooperar com nosso Pai celestial na construção do futuro, façamo-lo junto com nossos irmãos e irmãs migrantes e refugiados. Construamo-lo juntos!”. São desafios enfrentados pela Comissão de enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da CNBB, segundo o bispo de Tubarão e presidente da comissão, dom Adilson Busin, que destacou o trabalho em comum que está sendo realizado. A migração é um fenômeno mundial, o que tem ampliado as rotas migratórias, segundo a professora da Universidade Federal de Roraima, Márcia de Oliveira, que faz parte de um grupo de estudo que tem descoberto a exploração que sofrem os migrantes, vítimas de redes organizadas criminosas, nos traslados, relatando situações vividas pelos migrantes, principalmente mulheres, inclusive menores, que não são denunciadas, diante das ameaças que sofrem e o medo que isso provoca. Dificuldades que os migrantes continuam sofrendo já no Brasil, nos traslados internos, com situações de trabalho análogo à escravidão, com grupos especializados na exploração dos migrantes. Diante disso, a professora faz um chamado a ficar atentos e denunciar esse tipo de situações de exploração e tráfico de pessoas.
O trabalho pastoral da comissão para o tráfico de pessoas, segundo a Ir. Eurides Alves de Oliveira, leva a refletir sobre o trabalho de evangelização e promoção humana, como apelo do Evangelho na defesa da vida dos vulneráveis, “um apelo urgente para nossa ação evangelizadora se queremos ser fiéis ao Evangelho e a uma Igreja em saída”, segundo a religiosa. Ela refletiu sobre as palavras de Francisco no final da última assembleia da Rede Talitha Kum, onde definiu o tráfico de pessoas como um mal sistémico e que tem muitas raízes, muitas causas, como algo programado por um sistema que não coloca as pessoas no centro e sim o lucro. Essa realidade do tráfico de pessoas é muito presente no Brasil, mas pouco denunciada, ressalta a Ir. Eurides, daí a importância do trabalho da comissão, apresentando seus objetivos. Os passos da seguir
De acordo com dom Gonzalo Ontiveros, Santa Elena é um lugar de passagem, o migrante chega ao terminal de ônibus e geralmente estão esperando-o para ir diretamente para Pacaraima, ou diretamente para Boa Vista, o que significa que o Vicariato de Caroní tem pouco contato com os migrantes, que em alguns casos vão de táxi de Caracas ou de outras cidades da Venezuela diretamente para o Brasil. Os poucos que ficam, ressalta o bispo, vão para algumas comunidades, que são muito vulneráveis, onde são acompanhados. Nessas comunidades, eles constroem suas cabanas e começam a viver por um tempo. Essas comunidades são visitadas pelos agentes pastorais do Vicariato, conhecendo de onde eles vêm, quantos membros fazem parte da família, uma pastoral de contato direto com eles e de assistência espiritual, com celebrações da Eucaristia.
O número de migrantes tem aumentado em 2024, enfatiza o bispo, que fala do processo eleitoral que realizará eleições em 28 de julho, o que gera expectativas, e cujo resultado afetará diretamente o processo migratório, algo que deve levar o Vicariato a pensar, pois poderia provocar uma onda de migração de cinco milhões de venezuelanos, enfatiza Dom Ontiveros. Nessa dinâmica, o bispo afirma que “estamos plenamente preparados, junto com a diocese de Roraima, para trabalhar a partir da Cáritas e da atenção aos migrantes, trabalhando em equipe, em comunhão, para ver que coisas podemos continuar fazendo para atender os migrantes e as vítimas do tráfico humano”. Adriana Rabelo é jornalista da Província Imaculada Conceição do Brasil.
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