Onde tudo começou…
- Melissa Galdino
- 16 de set.
- 4 min de leitura
Você conhece o Sefras. Agora, conheça uma das mentes por trás da sua criação
O Sefras – Ação Social Franciscana completa 25 anos de existência. São mais de duas décadas de luta pelos direitos humanos, defesa da vida e promoção da dignidade de milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade. Hoje, a instituição é referência nacional na área social. Mas nem sempre foi assim.

No início, havia apenas um sonho, algumas conversas fraternas e a ousadia de um grupo de frades que acreditava que a solidariedade podia ser organizada e ganhar força. Entre eles, estava Frei André Gurzynski, um dos fundadores do Sefras e missionário franciscano que dedicou boa parte da sua vida a estruturar obras sociais da Província Franciscana.
Nesta entrevista, Frei André abre o coração e relembra os bastidores da criação do Sefras, os desafios enfrentados, os frutos colhidos e a espiritualidade que sustenta essa caminhada.
Sefras - Como nasceu a ideia de criar o Sefras?
Frei André - O Sefras nasceu da solidariedade e da necessidade de articular sonhos dispersos. Já existiam muitas iniciativas franciscanas em andamento na área social, mas cada uma funcionava de forma isolada, muito ligada à figura de um frade ou de um grupo. Queríamos dar unidade, despersonalizar os projetos e criar uma rede institucional que pudesse dialogar com a sociedade e o poder público. Essa foi a grande virada.

Sefras - Onde foram as primeiras conversas?
Frei André - As primeiras discussões aconteceram em Santos, no convento do Valongo. Ali Frei David e eu nos reunimos diversas vezes para refletirmos sobre como dar forma a essa nova organização. Logo depois, em São Paulo, no Largo de São Francisco, começamos a concretizar: um computador antigo, uma sala simples e um sonho estavam sendo construídos. Era quase simbólico: de uma mesa improvisada nascia algo que se tornaria tão grande.
Sefras - O que te movia pessoalmente a insistir nessa ideia?
Frei André O que me movia era a convicção de que a fé franciscana não podia ficar restrita aos conventos. A vida de São Francisco sempre apontou para estar junto dos pobres, dos pequenos, dos invisíveis. Eu acreditava – e continuo acreditando – que a nossa missão é transformar a solidariedade em organização concreta, capaz de mudar realidades. Isso me deu forças para insistir, mesmo diante de resistências.

Sefras - Houve resistências internas à criação do Sefras?
Frei André - Sim. Muitos não acreditavam, havia desconfiança até entre alguns frades. Alguns achavam que seria uma estrutura pesada demais ou que não daria certo. Mas não desistimos! Somando inicialmente a experiência da Comunidade Missionária entre os Sofredores de Rua, o trabalho do CEFRAN com as pessoas vivendo com HIV e da EDUCAFRO com sua rede de cursinhos pré-vestibulares, seguimos em frente e, aos poucos, fomos mostrando isso dava certo e que valia a pena!
Sefras - Qual memória marcante guarda desse início?
Frei André - O Recifran. Foi incrível ver os catadores se tornarem protagonistas e chegarem até Brasília para dialogar com o governo. Eles, que antes eram marginalizados, de repente estavam sentados à mesa, com um grupo de Ministros, defendendo seus direitos. Aquilo mostrou que estávamos no caminho certo, fazendo juz ao lema “Recifran: reciclando vidas!“Sefras - É verdade que sua ida para Angola quase não aconteceu por causa do Recifran?Frei André - Sim. Quando fui transferido para Angola, me informaram que o plano da Província era fechar o Recifran, onde eu então trabalhava. Eu disse: ‘Se esse for o preço, não aceitarei minha transferência e continuarei no Recifran’. A Província reconsiderou, garantiu que não fecharia e então aceitei ir. Fui em agosto de 2008 e fiquei até fevereiro de 2022.

Sefras - E como foi a missão em Angola?
Frei André - “Minha transferência foi para eu fazer lá o que havia feito aqui: organizar e integrar as obras sociais, criar uma espécie de Sefras Angola. Mas logo percebi que não era o que os frades angolanos mais necessitavam naquele momento. Então o Conselho da FIMDA me enviou para Quibala, no Kwanza Sul, sobretudo para cuidar da construção do Seminário Santo Antônio. No início, ele foi Postulantado e hoje é o Noviciado da Fundação Missionária. Foi um dos maiores desafios que enfrentei na vida, ao lado da criação do Sefras.

Sefras - De que forma a espiritualidade franciscana moldou o Sefras?
Frei André - “A espiritualidade franciscana foi a alma do processo. O carisma de São Francisco nos lembra sempre da fraternidade, da simplicidade e da centralidade dos pobres. O Sefras é expressão concreta desse carisma. Ele não nasceu de uma estratégia empresarial, mas da fé e do compromisso evangélico.
Sefras - Você sempre fala do trabalho em equipe. Como era isso na prática?
Frei André - “Uma das coisas mais ricas do Sefras era o Conselho Diretor. Nós nos reunimos semanalmente, durante toda a manhã. Cada frade acompanhava de perto uma obra social e trazia as questões para a reunião. Tudo era partilhado, decidido em conjunto. Isso dava segurança, criava comunhão e nos fazia caminhar como irmãos. Foi uma experiência inesquecível.
Sefras - Qual fruto do Sefras mais te emociona hoje?
Frei André - “O que mais me emociona é ver pessoas que estavam nas ruas retomarem suas histórias e reconstruírem suas vidas. Gente que hoje tem casa, trabalho, família. O Sefras deu oportunidade, apoio e dignidade. Isso não tem preço.
Sefras - Se tivesse que resumir o Sefras em uma palavra, qual seria?
Frei André - Eu resumiria em duas: Fraternidade e Solidariedade. São palavras que traduzem bem o que construímos. Uma fraternidade que se abre para acolher, cuidar, servir e transformar.
Sefras - E se pudesse resumir em uma imagem?
Frei André - Se o Sefras fosse uma pessoa, seria o São Francisco dos nossos dias.
Sefras - Que mensagem você deixa para quem hoje apoia ou participa do Sefras?
Frei André - Que nunca percamos a coragem de sonhar. O Sefras nasceu de um sonho e se tornou realidade porque muitos acreditaram juntos. A fé, quando se transforma em ação, move montanhas. Que cada um que apoia, trabalha ou é atendido pelo Sefras se reconheça como parte dessa bonita (ou bela?) história.










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