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Diálogo, o território da Paz

Por: Vitoria Martins

Há semanas pessoas de todas as partes do mundo vem acompanhando os ataques e bombardeios, na região da Faixa de Gaza, protagonizados pelo Governo Israelense e pelo Hamas. Nos noticiários de grande audiência, diversas versões distorcidas remetem o conflito como uma luta do “bem” contra o “mal”.

Essa ideia de dualidade é uma constante na maioria dos conflitos que ocorrem ao redor do mundo. Entretanto, esse tipo de narrativa não contribui para a solução dos conflitos, pois desconsidera processos históricos importantes que levaram a sociedade a se construir como ela é atualmente. Tal abordagem também não é capaz de evidenciar a dor de pessoas reais que vivem nesses contextos de extrema violência e ainda acaba reduzindo a história de povos tão plurais a concepções superficiais e equivocadas criadas por terceiros.

Isso é algo muito mais comum no nosso cotidiano do que pode parecer. Temos a ideia de que guerras acontecem apenas entre países ou grupos étnicos, e sempre em locais longe de nós. Mas a realidade é que guerras são travadas todos os dias dentro do Brasil, seguindo a mesma lógica: violência extrema acompanhada de narrativas que idolatram um lado e demonizam o outro, como diante dos fatos ocorridos na cidade do Rio de Janeiro este mês.

Nos último dia 9 de outubro, forai realizadas diversas operações militares contra o crime organizado no Complexo da Maré e na Cidade de Deus. Ao todo, cerca de mil agentes das equipes do Bope (Batalhão de Operações Especiais da PM) e do Core (Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil) estiveram nas ruas envolvidos em tais ações.

Durante esses dias, moradores destas regiões tiveram que conviver com abusos e violência extrema por parte dos policiais. Relatos de casas invadidas e revistadas sem mandado judicial e policiais militares apontando fuzis para dentro da casa de moradores através da janela não foram incomuns, além de tiroteios e destruição de propriedades.

Vale lembrar, também, que isso ocorreu durante o mês em que se comemora o Dia das Crianças e, apenas na Maré, cerca de 37 unidades escolares foram fechadas durante esse período. Ao todo, mais de 13 mil alunos ficaram sem ir à escola.

O discurso de policiais “heróis” bravamente entrando nas comunidades para acabar com o tráfico de drogas e com os “bandidos maus” não justifica a violência dirigida à população comum, assim como a “autodefesa” de Israel em relação ao Hamas não justifica os ataques e o genocídio do povo palestino. Esses conflitos são apenas dois exemplos entre milhares que ocorreram ao longo de toda a história da humanidade e reforçam a urgência de que nós pensemos meios diferentes de resolver desavenças, conflitos de interesses, buscando construir uma sociedade fraterna, justa e solidária para todos.

Como posto por Silvonei José para a Vatican News, o encontro de São Francisco de Assis com o Sultão do Egito, Malek al-Kamel, é um ótimo exemplo de gestos de paz e inspiração para os dias atuais. Em meio às Cruzadas, guerras patrocinadas pela Igreja Católica para retirar a Palestina e Jerusalém dos mulçumanos e retomar o domínio sobre elas, em 1219, o santo fez uma viagem para visitar o sultão.

Francisco foi muito bem recebido e conseguiu estabelecer um diálogo com o outro líder religioso, conseguindo não apenas a permissão para a presença franciscana na Terra Santa, como também uma nova amizade. Desta forma, “Francisco de Assis atravessou as linhas de guerra e superou a lógica do conflito de civilização em curso, seguindo a divina inspiração que o levou a acreditar na possibilidade do encontro fraterno com toda criatura”.

E é assim que devemos imaginar e construir o nosso futuro, dialogando com o diferente e abandonando a ideia de que a guerra e as armas são meios legítimos para podermos alcançar a paz.

Se a violência e a guerra realmente garantissem a segurança e fossem o melhor meio para colocar fim aos conflitos e problemas sociais que enfrentamos diariamente, o mundo já teria alcançado a paz mundial há muito tempo. Mas a experiência humana nos mostrou exatamente o contrário, as guerras continuam a acontecer e quem mais sofre são as pessoas comuns que morrem no fogo cruzado.

Essa carta aberta não é sobre uma análise ou debate profundo sobre qualquer conflito, mas sim uma provocação e um pedido de diálogo.

Desde crianças fomos ensinados a temer o outro, àquele que é diferente de nós, seja por suas crenças, suas aparências, gostos, cores, condições financeiras, sexualidades e identidades de gênero. Aprendemos, inclusive, a desrespeitar a natureza, vendo-a apenas como um recurso a ser explorado, e não como uma grande casa que muito gentilmente nos abriga. Não nos importamos com nada além de nós mesmos e, talvez, daqueles que são mais próximos de nós.

Como posto pelo filósofo Ailton Krenak em “Ideias para adiar o fim do mundo”:

Se pudermos dar atenção a alguma visão que escape a essa cegueira que estamos vivendo no mundo todo, talvez ela possa abrir nossa mente para alguma cooperação entre os povos, não para salvar os outros, mas para salvar a nós mesmos.

Ao contrário do que comumente se propaga, o ser humano não é o centro do universo, mas sim parte dele, e a cosmovisão franciscana prega exatamente esta ideia. Estamos todos interligados por meio da nossa Casa Comum, o que significa não apenas que a violação de direitos de qualquer ser em qualquer lugar no mundo é uma violação do direito de todos, mas também que é responsabilidade de todos solucionar o problema.

Como posto pelo próprio Papa Francisco na encíclica Laudato Si, “precisamos de uma política que pense com visão ampla e leve por diante uma reformulação integral, abrangendo num diálogo interdisciplinar os vários aspectos da crise”. Pois a realidade é mais complexa do que apenas a dicotomia entre “bem” e “mal”, usada com frequência para justificar o extermínio e a opressão.

Se quisermos realmente acabar com as guerras do mundo, precisamos seguir o exemplo de São Francisco de Assis, os ensinamentos de Krenak e o apelo do Papa, aprendendo a dialogar uns com os outros. Quem sabe, assim, poderemos todos voltar a desfrutar da alegria de estarmos vivos.

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