Quando o dinheiro chega na ponta, ele vira floresta, autonomia e justiça
- Melissa Galdino
- 29 de jul.
- 3 min de leitura
Publicação do Sefras apresenta caminhos para fortalecer a autonomia financeira e territorial de povos tradicionais no Brasil

Há transformações que não vêm de cima para baixo, mas de dentro pra fora — do interior dos territórios, das mãos calejadas de lideranças quilombolas, indígenas, ribeirinhas e quebradeiras de coco. E é exatamente essa virada de chave que a publicação Raízes do Bem Viver – Mecanismos financeiros para povos indígenas e outros povos e comunidades locais, realizada pelo Sefras – Ação Social Franciscana, se propõe a mostrar: quando o dinheiro chega na ponta, ele vira futuro.
Coordenado por uma equipe de pesquisadores com forte ligação com os territórios, entre eles Aurélio Vianna Jr., o estudo mapeou mais de 50 mecanismos financeiros que, de forma inovadora, apoiam diretamente comunidades locais da Amazônia e do Cerrado. São fundos criados e geridos pelos próprios movimentos sociais – fundos dos territórios para os territórios – que promovem uma autonomia que é ao mesmo tempo financeira e política.
“Eu trabalho nesse campo há muitos anos, e o que vemos agora é um reencantamento profundo das organizações indígenas. Esse estudo é fruto de uma reflexão sobre os caminhos que esses mecanismos traçaram até aqui. Estamos diante de algo muito poderoso”, conta Aurélio.
A publicação, que teve apoio da Climate and Land Use Alliance (CLUA) e da Fundação Mott, é fruto de uma escuta participativa e detalhada com lideranças de fundos comunitários. Mais do que um relatório, o material é uma fotografia atual e contundente de um ecossistema de financiamento que vem sendo construído por dentro, rompendo com lógicas tradicionais de hierarquia e dependência.
Aurélio destaca que o momento histórico exige essa mudança de rota:
“Nunca estivemos tão afetados pelas emergências climáticas e, ao mesmo tempo, tão desconectados como humanidade. Guerras, desinformação, fragmentação social. Mas esses fundos mostram que há outro caminho possível: quando os recursos chegam diretamente às mãos dos povos que protegem as florestas, os resultados são reais.”
Ao hospedar a pesquisa e incentivar o debate sobre o tema, o Sefras mais uma vez reafirma seu papel como agente de transformação, articulando saberes, alianças e estratégias que colocam os mais vulnerabilizados no centro da solução.
“Esse tipo de apoio direto às comunidades não substitui o papel das organizações de apoio, mas fortalece as bases. Fortalece as mulheres que estão à frente da gestão, fortalece o pertencimento, fortalece a autonomia”, reforça Aurélio.
Raízes do Bem Viver é, acima de tudo, um convite para pensar uma nova filantropia: menos colonial, mais horizontal e enraizada na sabedoria de quem vive e resiste todos os dias nos territórios.
O que você vai encontrar neste estudo
A publicação Raízes do Bem Viver é fruto de uma pesquisa robusta e sensível, voltada a compreender como os recursos financeiros podem, de fato, fortalecer a autonomia dos povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e movimentos sociais de base.
Neste estudo, você encontrará:
Um mapeamento inédito de 54 mecanismos financeiros que atuam diretamente com povos e comunidades tradicionais na Amazônia e no Cerrado;
Uma proposta de classificação desses mecanismos, com base em sua governança, estrutura e relação com os territórios. São apresentados fundos comunitários, fundos de justiça social, instituições religiosas de apoio, ONGs com programas de repasse e mecanismos com governança compartilhada;
A história do surgimento e fortalecimento dos fundos comunitários territoriais, criados e geridos pelos próprios movimentos sociais para garantir autonomia política e financeira;
Análises sobre os desafios do financiamento climático e sobre o papel da cooperação internacional e da filantropia diante das novas demandas dos territórios;
Reflexões sobre a importância da participação de mulheres e jovens lideranças na gestão desses fundos, com destaque para experiências que mostram como a organização comunitária pode transformar territórios inteiros;
Propostas concretas para fortalecer o ecossistema de financiamento direto, buscando uma nova lógica de apoio aos povos tradicionais: mais inclusiva, horizontal e enraizada.